... e ela dedilhava a dor

         

           Vinho, violão, escuro, Vento úmido, sussurro e segredos, aliás, um segredo em particular... Coração frio, mãos tremulas, voz rouca; de gritar? O dia teria sido perfeito, não fosse a partida, o adeus, o último abraço...Sozinha na varanda passava mentalmente tudo o que aconteceu pela manhã... "Abriu a porta do carro, me olhou com seu olhar mais bonito, suas mãos estavam frias, suavam, seu semblante continuava pacífico... Apertou-me de encontro a ele, sua boca contornava as curvas de meu pescoço, sua mão afagava meu cabelo, balbuciei algo como “Calma, são só dois dias, vão passar logo você vai ver”, ele puxou suavemente meu cabelo para trás, seus olhos verdes suplicantes, ardiam em lágrimas. Nunca o tinha visto chorar, não daquele jeito. Sua boca cravou a minha com uma necessidade desesperada, o corpo todo tremia, suas mãos me apertavam, braço e cabeça. Quando paramos, ofegantes e exasperados, ele me olhou com olhos tristes, se eu soubesse que aquela seria a última vez que veria aqueles olhos, eu teria apreciado mais, teria parado os meus pensamentos e contornaria as linhas finas de seu rosto com os dedos, pararia de respirar para escutar faze-lo, mas não, fazia cara de zombaria enquanto ele me explicava que nunca mais nos veríamos, que não era justo e que não podia me contar o porquê, era um SEGREDO. Fiquei imóvel vendo-o partir, esperando a cada passo que olhasse para trás, sorrisse e voltasse para mim, me pedindo desculpas pela brincadeira sem graça. Ele caminhava apressando, não olhou uma única vez para trás. Minha garganta doía com o grito contido, não tinha voz, não conseguia andar, minha respiração saia falha. Não sei como voltei para casa, fazia tudo mecanicamente; a velocidade; os sons; os chingamentos, são fragmentos de lembranças... Agora em nossa varanda, olhando a música que sai por entre meus dedos chicotear entre as árvores, eu posso sentir seu cheiro ainda em meu suéter, seus beijo ainda arde em minha boca, meu corpo se comprime pelos abraços meio desesperados. Segredo? Isso bem que podia ser uma daquelas histórias de suspense em que a mocinha sofre e sofre e no final descobre o tal segredo, e tudo acaba se resolvendo no final. Mas a vida é real demais para mim, a dor é real, as lágrimas são reais, os espasmos, a droga da varanda, a droga de vinho, a droga de música, e o mais duro é que eu vou ter que aprender a viver com tudo isso sem ter ele para me trazer o vinho, sentar do meu lado a varanda escutando a música que dedilho sem cansar..."

           Ana não agüentava mais assistir a própria dor, entrou em casa, olhou para cama, não suportou a idéia de dormir sozinha ali, pegou um cobertor verde surrado, deitou no sofá empoeirado. Os olhos pesavam de tão cansados do pranto, dormiu em menos de um minuto, se transportando para um mundo dentro de si que não era real.


[Poliana Fonteles]

"Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente."


(Martha Medeiros)