Olhos
injetados, mãos frias, cabelo despenteado, expressão ilegível, estatura desleixada
e tensa. Ana tinha sumido de si. Eu fitava alguém desconhecido, estranho, que
me dava medo. Fitava fragmentos de passado que só se mantinham no corpo e na
sala. Esfrego os olhos, balanço a cabeça, mas essa outra pessoa continua ali,
tomando minha Ana, quebrando sonhos, destruindo lembranças, apagando momentos.
Não sei ao certo como deixamos o mal entrar em nossas vidas, tínhamos uma
rotina deliciosa, tranzavamos diariamente, éramos felizes em nosso emprego, Ana
adorava cozinhar, era viva, do tipo que fica feliz com vento, folhas ao chão, o
despertar de um passarinho na janela. O marrento era eu, por que não comigo?
Fecho os olhos e só consigo pensar em seu sorriso de covinhas, abro-os
novamente e figuro o rosto sem expressão.
Nós havíamos decidido não ter filhos,
tomávamos cuidado, mas não existe esse tipo de birra com a natureza, quando ela
quer, ela concebe. Ana engravidou, aos poucos nos acostumamos com a idéia, o
volume na barriga de minha mulher me deixava emocionado, não imaginava que
aquilo tudo dentro de mim pudesse vir a tona. Não pude barrar o fado feroz que
bateu em nossa porta, dormiu em nossa cama, e roubou nossos sonhos. Despertados
de nossos devaneios por lenções sujos de sangue.
Poliana Fonteles
Ps.: Eu não ia postar, foi criado no inicio do ano... Eu só achei que não devia escondê-lo por tanto tempo.